5 de março de 2009

A sub-notificação de acidentes do trabalho

(Engº Josevan Ursine Fudoli - Presidente da Sociedade Brasileira de Engenharia de Segurança )

CONCEITOS LEGAIS

Sob o ponto de vista legal, o acidente do trabalho é definido como “o que ocorre pelo exercício do trabalho a serviço da empresa ou pelo exercício do trabalho dos segurados referidos no inciso VII do art. 11 da Lei 8.213/91, provocando lesão corporal ou perturbação funcional que cause a morte ou a perda ou redução, permanente ou temporária, da capacidade para o trabalho".

São consideradas também como acidentes do trabalho as doenças profissionais e as doenças do trabalho, sendo que a doença profissional é a produzida ou desencadeada pelo exercício do trabalho peculiar a determinada atividade (constante de relações elaboradas pelo Ministério do Trabalho e Emprego e pelo Ministério da Previdência Social) e a doença do trabalho é a adquirida ou desencadeada em função de condições especiais em que o trabalho é realizado e com ele se relacione diretamente.

Equiparam-se também ao acidente do trabalho o acidente ligado ao trabalho que, embora não tenha sido a causa única, haja contribuído diretamente para a morte do segurado, para redução ou perda da sua capacidade para o trabalho, ou produzido lesão que exija atenção médica para a sua recuperação, o acidente sofrido pelo segurado no local e no horário do trabalho, em conseqüência de ato de agressão, sabotagem ou terrorismo praticado por terceiro ou companheiro de trabalho; ofensa física intencional, inclusive de terceiro, por motivo de disputa relacionada ao trabalho; ato de imprudência, de negligência ou de imperícia de terceiro ou de companheiro de trabalho; ato de pessoa privada do uso da razão; desabamento, inundação, incêndio e outros casos fortuitos ou decorrentes de força maior; a doença proveniente de contaminação acidental do empregado no exercício de sua atividade.

Equipara-se ainda como acidente do trabalho o acidente sofrido pelo segurado, ainda que fora do local e horário de trabalho, na execução de ordem ou na realização de serviço sob a autoridade da empresa; na prestação espontânea de qualquer serviço à empresa para lhe evitar prejuízo ou proporcionar proveito; em viagem a serviço da empresa, inclusive para estudo quando financiada por esta dentro de seus planos para melhor capacitação da mão-de-obra, independentemente do meio de locomoção utilizado, inclusive veículo de propriedade do segurado; no percurso da residência para o local de trabalho ou deste para aquela, qualquer que seja o meio de locomoção, inclusive veículo de propriedade do segurado.

Até nos períodos destinados a refeição ou descanso, ou por ocasião da satisfação de outras necessidades fisiológicas, no local do trabalho ou durante este, o empregado é considerado no exercício do trabalho.

Pela vertente do conceito legal, é muito difícil descaracterizar um acidente do trabalho, pois ele pode ocorrer durante o trabalho, no horário do almoço, fora do local do trabalho (a serviço da empresa), no trajeto (casa/trabalho/casa) e ainda sob a forma de doença profissional.

DISTORÇÕES E SUB-NOTIFICAÇÃO

Com relação a acidentados, podemos classificá-los nas seguintes categorias: a) acidentados com lesão sem afastamento; b) acidentados com lesão com afastamento; c) doença ocupacional; d) acidentados de trajeto. A estatística dos acidentes apresenta geralmente tais categorias, que nem sempre retratam a realidade, pois costumam não computar os trabalhadores sem carteira assinada, as empregadas domésticas, os acidentes de trânsito e os acidentes não informados ao INSS, gerando o que se chama de sub-notificação.

Existem empresas que costumam transformar seus acidentes com lesão com afastamento em acidentes com lesão sem afastamento ou “em proteção ocupacional” ou então reclassificar seus acidentes com lesão sem afastamento em “primeiros socorros”. Ocorrendo tais situações, as empresas não emitem CAT, ferindo a legislação e configurando burla ao registro oficial de acidentes no INSS.

Existem algumas empresas que adotam as curiosas e indevidas expressões de “proteção ocupacional” e “primeiros socorros”. Essas empresas chamam de “proteção ocupacional” a situação do acidentado com lesão, se tal acidentado retornar até o dia seguinte ou até dias depois, desde que ele tenha capacidade para exercer qualquer atividade de sua função ou de outra função. Nestes casos, não se emite CAT. Com a criativa adoção da “proteção ocupacional”, ficaria decretado o fim dos acidentes com e sem afastamento, pois sempre o acidentado poderá fazer alguma coisa. Excluir-se-iam do trabalho os casos trágicos, como a morte, a perda dos dois olhos, a perda dos dois braços ou de duas pernas. Coisa de louco !

Segundo as empresas que adotam a política da “proteção ocupacional”, os empregados acidentados, normalmente, estão aptos para o trabalho, só não estando aptos para exercerem a plenitude de suas atividades. Segundo essa visão, esses trabalhadores detestam ficar em casa olhando para o teto, sem fazer nada, sentindo-se inúteis nessa situação, gostando mesmo é de trabalhar.

Segundo apurado, a prática da proteção ocupacional poderia estar coberto por um acordo firmado entre os representantes dos trabalhadores, a empresa com o aval do INSS e o representante da área médica da empresa, esclarecendo que a palavra final de aceitar trabalhar ou não seria do empregado acidentado.
O “acidente com lesão sem afastamento” só seria classificado, quando não se chegasse a um acordo com a “proteção ocupacional”. Ou seja, extra-oficialmente, essas inventivas empresas criaram um novo tipo de classificação de acidentes: os acidentes com proteção ocupacional.

Já os “primeiros socorros” é a expressão também indevidamente utilizada, para classificar a situação do acidentado com lesão, se tal acidentado retornar ao trabalho no mesmo dia. Neste caso, as empresas não emitem CAT. Pela legislação, este acidente seria com lesão sem afastamento e emissão de CAT.

A “proteção ocupacional” e os “Primeiros Socorros” são evidentes burlas à legislação e configuram claramente a sub-notificação dos acidentes, devendo a Ministério do Trabalho e o INSS punirem exemplarmente as empresas que praticam tais práticas delituosas.

Adicione-se ainda à subnotificação de acidentes com afastamento, a prática equivocada das empresas de conceituar acidente com afastamento somente aquele que ocorrer com o empregado afastado após 16º dia de trabalho, com o entendimento de que os ônus financeiros dos primeiros 15 dias ficam por conta do empregador, não onerando a sociedade, representada pelo INSS.

INDICADORES DE (IN)SEGURANÇA

Os tradicionais indicadores reativos (taxa e freqüência com afastamento, taxa de freqüência sem afastamento e taxa de gravidade) são determinados pelas fórmulas abaixo:

Taxa de freqüência com afastamento – é o número de acidentados com lesão com afastamento, por um milhão de homens-hora de exposição ao risco, em determinado período.

nº de acidentados com afastamento x 1.000.000
TFCA = --------------------------------------------------------------
homens-hora de exposição ao risco

Taxa de freqüência sem afastamento – é o número de acidentados com lesão sem afastamento, por um milhão de homens-hora de exposição ao risco, em determinado período.

nº de acidentados sem afastamento x 1.000.000
TFSA = --------------------------------------------------------------
homens-hora de exposição ao risco

Taxa de Gravidade – é a soma dos dias perdidos e debitados. por um milhão por milhão de homens-hora de exposição ao risco, em determinado período.

dias perdidos + dias debitados x 1.000.000
TG = --------------------------------------------------------------
homens-hora de exposição ao risco
Considerando que os numeradores dos TFCA e TFSA são formados por nº de acidentados com afastamento e nº de acidentados sem afastamento, respectivamente, e que tais numeradores não possuem confiabilidade, pelo já exposto, pode-se avaliar a fragilidade de tais indicadores, sem contudo abandoná-los, mas requerendo incentivo e pesquisa na busca de novos indicadores (ativos) que possam representar o desempenho das empresas em matéria de segurança.

Com relação à taxa de gravidade, ela também se apresenta fria e sem parâmetro de comparação, tendo sido até desconsiderada para fins de avaliação de empresas, mas mantida na NBR-14280, ao longo destes mais de 40 anos, por tradição e por falta de um indicador substituto mais representativo.


CONCLUSÃO

Os conceitos técnicos, legais e prevencionistas dos acidentes do trabalho devem ser seguidos e praticados, para construir uma estatística confiável e representativa da situação acidentária brasileira, visando o estudo das causas raízes dos acidentes, para evitar sua repetição, não cabendo às empresas extrapolar sua criatividade em matéria legalmente normalizada pelos órgãos competentes.

(Artigo publicado na Revista CIPA nº 345, de agosto/08)

Nenhum comentário: